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Abril 2013

Hotel das Flores

Fora sua última viagem de negócios. Tinha prometido à esposa que se aposentaria. Dessa vez não iria voltar atrás. Foram muitos anos de trabalho, muitas viagens... Não teria chegado ao patamar que cheguei se não fosse assim. É, tinham uma vida bastante confortável, uma bela casa, um belo jardim. Mas o quanto ela tivera que suportar... Um marido ausente, por vezes impaciente, sempre focado no trabalho e as viagens constantes. A solidão de uma casa vazia. Não tivemos filhos, não houvera tempo. Agora é tarde. Mas se aposentaria. Receio como será. Mas estava resoluto. Eu prometo, Lídia, vamos recuperar o tempo... - Chegamos senhor. - Obrigada. Pagou o táxi, pegou as malas e dirigiu-se a porta de sua casa. apertou a campainha diversas vezes, ninguém atendeu. Remexeu nas malas, achou a chave...entrou. O telefone tocou. -Alô?! -Escute-me. venha buscar sua esposa no Hotel das Flores, quarto 1001. Não teve tempo de responder, a ligação havia sido rompida. Apenas aquela voz masculina ressoava em sua cabeça. Largou as malas onde estavam, correu a casa chamando pela esposa. Sem resposta, saiu em disparada ao hotel, nem a porta da casa fechou. - Táxi, táxi!. Motorista, por favor, Hotel das Flores...Esse nome? No caminho, milhares de idéias se passavam em sua cabeça e ao mesmo tempo nenhuma. O que estava acontecendo? o que é tudo isso? Hotel? Lídia não seria capaz de ter um amante, não temos mais idade para isso. Desceu do táxi e subiu até o quarto 1001. Um homem com uniforme do estabelecimento abriu a porta. Imediatamente viu sua esposa sentada em uma poltrona próxima à janela, foi até ela. Lídia voltou a cabeça em sua direção e em seguida tornou a olhar pela janela. -Meu amor, o que Foi? O que você faz aqui? Olhe para mim! O que está acontecendo? que loucura! Você está doente? Febre? Olhe para mim! Sou eu. Lídia não respondia, o olhar fixo, mas calmo, em direção à janela. - O que se passa aqui? Perguntou voltando-se em direção ao funcionário do hotel, mas este já havia saído. Sem saber o que acontecia a sua esposa, tentou de tudo para chamar sua atenção, fez perguntas e comentários aleatórios, contou como havia sido a viagem, falou até dos planos de aposentadoria. Ela, imóvel. Ligou, então, para a portaria do Hotel, ninguém atendeu. O celular! Droga! Ficou dentro da mala. Molhou um pano e passou pela testa de sua esposa. Chamou-a em voz baixa. Suplicou-lhe que voltasse. Bateu em sua face. Nada. Não quero te deixar só. Que hotel era esse? Sentou-se na cama. Como as horas passam rápidas. Parecia uma eternidade que estava alí. Olhou o relógio. Sentia-se só. Lídia era seu porto seguro. Era ela quem cuidava dele, nunca o contrário. Não sei mais o que fazer! - Vou me aposentar, meu amor, lhe juro, decidi. Vou cuidar de você. Volte, olhe para mim, olhe pra mim! Nada adiantava. Tentou sair com ela do quarto. levantou-a da poltrona. Mas não conseguiu senão alguns passos. Deitou-a na cama e sentou-se a seu lado. - O que está acontecendo? O que fiz errado? Acorde, acorde. Te amo, não faça isso comigo. Lídia, volte! Chorou. Exausto deitou-se ao seu lado. Segurou sua mão. Mãos finas, quentes. Ficou a lhe olhar. Como podia ser tão calma? Esse olhar tranquilo. Foi e continuava a ser bonita. A idade lhe fazia bem. As vezes acho que nunca te conheci ao certo...é minha culpa, Desculpa Lídia. Quando foi que deixei de te olhar? Quando foi que parei de escutar teu riso? O que nos aconteceu? Ergueu-se, sentou-se ao lado da esposa e começou a despir-lhe a roupa lentamente. Prestava atenção em cada parte de seu corpo. Cada dobra, ruga de expressão, cada sinal do tempo despertava em sua cabeça lembranças de um passado quase esquecido. A primeira vez nos vimos...o beijo! Vibrava só de te ver, como eramos jovens. quantas vezes fiquei escondido te espiando...o teu sorriso. Despiu-se e entregou-se ao universo de Lídia, de corpo, de alma, inteiro. ... Acordei, quarto 1001. Lídia já estava de pé, colocava as flores do nosso casamento em um jarro, sorriu quando me viu acordado e afastou as cortinas. - Meu amor, meu marido! Eu te amo e vou te amar para sempre! O quarto cheirava a Lídia. Levantei-me, fui ao seu encontro. Abraçados, nos beijamos e ficamos a admirar a paisagem pela janela do hotel, era primavera. - Quantos anos faz? - Muitos. - Por que te abandonei... - Sempre te esperei. Mas foram tantos anos que não lembrava mais ao certo de teu rosto, de teu corpo, de tua voz... Como não te achava mais dentro de mim, saí de casa, resolvi te procurar e pensei que aqui te encontraria. Deixei recado de que estava em teu aguardo, me sentei e esperei. Desculpa se não te reconheci, se não te ouvi, me perdoa, foi a distância, a ausência, eu não queria, eu esqueci... - Me desculpe, meu amor. Não diga nada. Foi uma longa viagem, mas voltei. Nos encontramos. Vamos recomeçar... Carinhosamente a beijei. E como há muitos anos descemos do Hotel das Flores, quarto 1001, de mãos dadas, casados, felizes, com uma vida pela frente.

Uma réstia de luz no chão

Uma réstia de luz no chão ameaça destruir minha dor com outra cor. Aperto os olhos, conservo o sofrimento, sou avesso às mudanças, sempre falsas esperanças. Mas não consigo represar por muito tempo... Mesmo de olhos fechados, sinto em meu rosto escorrer a umidade dos sentimentos, que aquecidos, são esquecidos e evaporam. A dor seca, a alma se acalma, a carne se rende. Abro os olhos, meu sentimentos são o azul anil do firmamento.

Reflexos

A fila estava imensa. Roupa, sapatos, cabelo, batom, perfume e uma última conferida no espelho. Forçou o sorriso, que cara de cansada, mais uns drinks sei que me animo, maquiagem ok! Quem sabe hoje não conheço alguém especial?

Hoje vou arrasar e aguardava a vez de entrar.

Ana tinha 32 anos, morava só, trabalhava de segunda a sexta, fazia pós - graduação, aula de inglês, academia de ginástica. Saía de casa às 7hs e voltava às 22hs. Sua rotina era similar a de outras jovens de sua idade, seus objetivos também os mesmos: um bom emprego, um lar, constituir uma família, ser feliz.

Sexta - feira, sentia todo o peso da semana, dos compromissos cumpridos, dos adiados, do trabalho, do trânsito, das aulas, da dieta, da ânsia de um futuro incerto...A vontade era de dormir todo o final de semana.

Mas estava solteira, então, como outras, estava lá, na fila da boate do momento, cumprindo com a obrigação de se divertir, mostrando para todos o quanto era feliz.

Após uma longa espera, troca de olhares, conversas aleatórias, drinks e uns cigarros, chegou sua vez. Entrou. Mais uma noite, mais uma festa, novos amores?

Foi direto ao banheiro e seguiu o ritual de sempre: retocou o pó e o batom, mexeu no cabelo, sorriu para si e saiu, cheia de si.

Bar, vodka, pista, ver e ser vista. E dançou, dançou dançou, movida pela vontade de sentir prazer e de esquecer. E esqueceu de si, e tomou outras doses, e voltou ao banheiro, e retocou a maquiagem e viveu o ápice do prazer quimicamente elaborado.

O som, o som, o som, o sorriso e vermelho, a língua, o beijo, tum, tum, tum, barulho, homens, mulheres, o sexo, luz, sombra, a fumaça, as pessoas, a pele, o amanha, futuro? Solidão, e gira, e gira, e gira...Não consigo respirar! Fantasmas, o chão.

Levantou - se com a ajuda de estranhos conhecidos e cambaleando sentou - se ao bar, acendeu um cigarro, pediu outra dose e olhou com desprezo para a pista, para os outros. Na boca um gosto de vergonha.

Tanta produção, vícios, esforço, em vão, sentia pena de si...e baixou a cabeça. Foi então que se viu, refletida na superfície do balcão.

A princípio não se reconheceu, via uma mulher mais velha e sofrida. Mas logo percebeu o engano, era ela, não lhe agradava, mas era ela mesma. Tinha um semblante de quem carrega o fado do futuro não realizado, dos sonhos interrompidos, das más escolhas feitas por si e atribuídas ao destino.

Toda solidão e ansiedade estavam estampadas em sua cara, a maquiagem estava borrada. Ana se viu, viu e chorou. Deixou que as lágrimas lhe lavassem o rosto e os sentimentos. Alheia a todo o ambiente, às pessoas, ao movimento, ao som e à luz, apenas chorava.

Olhou-se novamente, nunca havia se sentido tão inteira, consciente de si mesma. Olhou ao redor e viu marionetes a dançar, a beijar, a beber, a flertar, movimentadas pelas cordas da música alta, tudo é tão opaco! Nada era real. Futuros inteiros aspirados, vividos em horas que rapidamente passam e eu, nua, eu corro, nua, eu, no sol...

Despertou com o apagar do jogo de luz, não havia mais pessoas, se levantou, saiu, para trás não olhou.

Sombra

De tanto silenciar o pranto perdi a voz, dei adeus ao canto. Mesmo nos momentos alegres o som não aparecia. Eu não mais ouvia. O mundo era apenas imagens e eu só exergava miragens. É que quando o pranto é mudo não lava a alma, seca os olhos, a voz, os ouvidos, enevoa todos os sentidos. E sem sentir nada faz sentido... Nem o pranto, nem o riso, nem o canto ou qualquer espécie de encanto. Até a melancolia, sem sentido, desaparecia. A carne, sem o tato, não existia. Silêncio era tudo o que havia. Desapareci. Sou silêncio, ora negro, ora cinzento, com trajes de noite em plena luz do dia.

New Idade Média

Imensos templos new-góticos se erguem loteando o firmamento. Árvores são entre grades aprisionadas. Pessoas transitam nas sombras, sobre ou subterrâneas. E eu, na Idade Média da Contemporaneidade, como hambúrguer com coca-cola para afugentar esses pensamentos opacos... pela transparência com que os letreiros luminosos apresentam as mais novas orações... ações, ações, ações, business. Tenho que pagar a conta! Abro a bolsa, procuro Deus (queria o toque do sol) Mas estou só. Na Igreja do Consumo, se não tenho dinheiro, sumo.


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