(C)oração
De um lado, encontram-se as imagens. São os retratos de “tipos raciais” realizados pelo fotógrafo August Stahl no âmbito da Expedição Thayer [1865 – 1866] liderada pelo naturalista, geólogo e zoólogo suíço Louis Agassiz [1807 – 1873] no Brasil. O objetivo de Agassiz com a Expedição Thayer era a produção de uma coleção fotográfica de “tipos raciais” puros e mestiços. O cientista afirmava que a miscigenação era prejudicial ao “estado natural das raças, já que é contrária à preservação das espécies no reino animal” (AGASSIZ, 1863, apud. RATTES, 2010, p.127). De acordo com Agassiz, “a população híbrida era ‘fraca’, ‘degenerada’ e com tendência à infertilidade, sendo assim, necessária, do ponto de vista fisiológico e político, a criação de barreiras com o objetivo de impedir o cruzamento das raças e o aumento do número de mestiços” (RATTES, 2010, p.128). Noutras palavras, o cientista era defensor da segregação racial. Agassiz esperava encontrar nas fotografias de “tipo raciais” feitas no Brasil provas irrefutáveis de sua teoria da degenerescência das raças.
De outro lado, está a arte do benzimento e as inúmeras plantas que se assentaram em solo brasileiro e que são usadas para cura de males físicos, psíquicos e espirituais. Uma prática antiga dos povos originários e dos sequestrados de África e que, a despeito da colonização, se manteve até os nossos dias.
O que faço nesse trabalho é usar da reza e das plantas para, num ritual, tentar simbolicamente liberar essas imagens do carrego colonial, de toda violência a que estiveram e estão submetidas no arquivo do Peabody Museum of Harvard, que ainda arquiva tais imagens como se fossem "tipos raciais" e não gentes que viveram aqui.
O ritual de descarrego é o seguinte: coloca-se a imagem no chão, na terra, no solo desse país, deixe que descanse aí. Depois acrescente as plantas que curam e faça a reza. Fique um tempo com as imagens, com as plantas e com a reza. Agradeça por estar vivo, agradeça sua ancestralidade.
As imagens que apresento nesse trabalho passaram por esse ritual e espero que hoje possam habitar noutro imaginário, um que promova a vida. Na legenda de cada imagem descrevo as propriedades curativas/simbólicas dos elementos com os quais procurei recompô-las.
On one side are the images. These are the portraits of “racial types” made by the photographer August Stahl as part of the Thayer Expedition [1865 – 1866] led by the Swiss naturalist, geologist and zoologist Louis Agassiz [1807 – 1873] in Brazil. Agassiz's goal with the Thayer Expedition was to produce a photographic collection of pure and mestizo “racial types”. The scientist claimed that miscegenation was harmful to the “natural state of races, since it is contrary to the preservation of species in the animal kingdom” (AGASSIZ, 1863, apud. RATTES, 2010, p.127). According to Agassiz, “the hybrid population was 'weak', 'degenerated' and prone to infertility, thus making it necessary, from a physiological and political point of view, to create barriers in order to prevent the crossing of races and the increase in the number of mestizos” (RATTES, 2010, p.128). In other words, the scientist was a defender of racial segregation. Agassiz hoped to find in the photographs of “racial types” taken in Brazil irrefutable proof of his theory of the degeneration of races.
On the other hand, there is the art of blessing and the countless plants that settled on Brazilian soil and that are used to cure physical, psychic and spiritual ills. An ancient practice of the original peoples and kidnapped people of Africa and which, despite colonization, has remained until our days.
What I do in this work is to use prayer and plants to, in a ritual, try to symbolically release these images from the colonial burden, from all the violence to which they were and are subjected in the archive of the Peabody Museum of Harvard, which still archives such images as if were "racial types" and not people who lived here.
The unloading ritual is as follows: the image is placed on the ground, on the earth, on the soil of that country, let it rest there. Then add the healing plants and say the prayer. Spend some time with the images, with the plants and with the prayer. Give thanks for being alive, give thanks for your ancestry.
The images that I present in this work went through this ritual and I hope that today they can inhabit another imaginary, one that promotes life. In the caption of each image I describe the healing/symbolic properties of the elements with which I tried to recompose them.